Um domingo qualquer

A tarde daquele domingo caia lenta e abafada sob um sol claro e quente. Num velho cruzamento entre casas térreas, velhas, sujas e mal pintadas, de ruas mal asfaltadas e com um ou outro corguinho aqui e ali, figurava numa janela de madeira, com suas folhas desgastadas pelo tempo o que outrora era azul, um velho que observava sentado a inércia da cidade calorosa.

Estava confortavelmente estendido numa cadeira inclinada sobre suas duas pernas traseiras, perfeitamente engastadas num buraco do assoalho e às suas costas, num relevo do armário. Seu cabelo estava emaranhado, a barba indicava, antes felpuda e farta, a falha do descuido. Usava regata, velha e manchada, sem mencionar, suada. Seus longos pelos grisalhos, rebelados, surgiam de cada orifício possível da camisa, mostrando-se fatos de baixo dos braços, sobre o peito até uma calma calva sobre os ombros onde, sem se mostrar cresceriam fartos novamente até o vale do centro das costas.

Tinha a pele gasta e enrugada, um couro espesso e feio, mais do descaso que da idade, seu braço direito descansava no batente da mesma janela, o braço esquerdo balançava bobo e suave ao lado do corpo, mostrando músculos murchos até o chão onde dois de seus dedos apontavam em V, segurando junto ás pontas amarelas, um cigarro barato de cinzas já muito longas. Suas pernas mostravam-se tão hirsutas quanto o corpo, com grossos pelos grisalhos a recobrirem os mesmos músculos murchos e cansado, de pele enrugada como o cerrado. Suas pernas surgiam de um velho shorts de clube (de futebol), com um k surrado visível do antigo patrocínio, não dele, mas do clube que ilustrava. Após seguirem trôpegas e bambas até um antigo pufe, onde terminavam em velhos chinelos, não de dedo, mas de tira larga (e encardida) sobre o peito dos pés, de dedos afinados pelo uso de outrora sapatos, unhas rebeldes, tortas e duras...

A vista, apesar do dia incômodo de quente e claro, não era a melhor, via-se casebres pobres, de roupas íntimas estampadas publicamente, a secarem nas janelas e calçadas. As paredes, onde eram pintadas, estava com uma tinta sem graça, clara, sem mencionar pichadas, isso onde ainda havia reboco, se não as paredes exibiam tristes suas entranhas, tijolos mal colocados e muito cimento mal aplicado. As portas e janelas abertas eram também reflexo que deixava ainda mais quente o dia. Sobre o que havia de asfalto o calor criava miasmas que distorciam a torpe e imberbe realidade.

Das janelas abertas o velho senhor observaria famílias reunidas, mais pelo acaso, olhando sem ver para
a TV, programas desinteressantes e mentirosos, que só serviam para distrair a vida, daqueles que estão
aqui só por estar. Um suspiro encheu o peito do velho senhor, o suador o incomodava mas sabia que não
haveria remédio senão suar o calor do sol e do dia, que compensava sua vida toda tão morna. Mexeu com
rispidez o braço, derrubando as cinzas no assoalho mal encerado, tragou forte o cigarro, arremessou-o à rua
imaginando-se morrer e ficar alí, sem fazer falta a ninguém, sem ninguém dar conta disso. Mas a vida não lhe
foi tão boa, como num feitiço do tempo, aquele domingo acompanharia sua longa aposentadoria, por longos
dias.

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