Geração Xerox

Quando o livro do Dungeons and Dragons, a caixa vendida pela GROW, chegou, foi uma alegria geral. Evoluir os personagens, aprender magias novas, ganhar mais pontos de vida e combater mais monstros, novos monstros. Mas havia um problema, o jogo só ia até o quinto nível. E aí, o que fazer?

A solução era depender de amigos, que viajam para os Estados Unidos, para comprar os livros que continuavam a série trazida pela GROW. Quando um amigo conseguia aproveitar aquela viagem para a Disney, para passar por alguma livraria, a alegria era geral. Significava mais aventuras prontas, mais expansões do jogo, novos monstros, novas magias, para nossos velhos personagens. Claro que em 1990 e afins, não tínhamos internet ou Amazon, para comprar estes livros. E a única forma de compartilhar-los por aqui, era através do Xerox.

Logo, cópias de cópias circulavam, de mão em mão, dos mesmos livros comprados nos Estados Unidos. Ainda me lembro, em 1996, quando eu consegui comprar um livro original, com caríssimos na época, 50 reais, comprei um Dungeons Master Guide, ou guia do Mestre do jogo, numa tradução tosca. Minha mãe ficou brava comigo, achando que eu tinha jogado dinheiro fora. Em parte, ela tinha razão, eu não lia inglês e o livro era importado. Mas estava decidido a me valer do pouco que eu sabia o significado, através de jogos com amigos aqui e ali, aliados a um bom dicionário. Passei um dia inteiro na primeira página, traduzindo quase que palavra por palavra. E escrevendo à mão, numas folhas ao lado do livro.

Logo a tradução começou a depender menos do dicionário, eu ia aprendendo o que significavam as palavras, e aliava isso com algum instinto e adivinhação, que me valeu até hoje, o fato de eu ler bem textos em inglês. Na época dessa compra, eu jogava com uma turma de eletrônica, do colégio técnico, a versão em inglês do jogo, e jogava a versão da GROW com um grupo do bairro. O grupo do colégio me ensinou muito, e me deu acesso à livros que eu só teria anos depois. Mas foi o grupo do bairro que me deu uma das aventuras mais longas que já joguei.

Em 1996, começamos uma aventura da caixa básica, com os personagens do D&D (já estamos íntimos para que eu escreva Dungeons and Dragons todas as vezes, não é?), e lá estava meu mago, Duncan McLoud (eu gostava de Highlander), um mago idoso para o perfil de personagens típicos. Meu irmão caçula jogava com um ninja (era a época da sala de estilos), chamado Otomo, um oriental em reinos fantásticos. Um amigão, o Clérigo Incligan, e outro amigão, o guerreiro Kraugstein. Quando atingimos o quinto nível, foi o mesmo período que a Editora Abril Jovem se lançava no desafio de traduzir, produzir e vender RPG´s num mundo que ninguém lê, e migramos nossos personagens para este novo universo.

Jogamos por mais de um ano, todo domingo, das 14 horas até as 20 horas. E nossos personagens atingiram níveis épicos, passando do 10° nível. Fundamos até mesmo uma cidade, no mundo de Forgotten Realms, Krauindantomo. Uma cidade que representa os heróis fundadores, ainda que meu velho mago tenha dependido demais dos outros, para chegar ao final da campanha, morreu nove vezes ao longo do jogo, mas o importante é que chegamos ao final. E tivemos uma história linda para contar, que repetimos até hoje, sempre que podemos, dos nossos velhos heróis, nascidos de cópias de livros, migrados à livros originais, mudando de sistemas de regras, e com muita bagagem para contar.

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